terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

As meninas do travesseiro

Maria de Fatima Dannemann

 Viajar de carro nunca foi meu esporte preferido, especialmente quando a viagem é muito longa e o carro quebra no caminho. Foi isso mesmo que me aconteceu uma vez. O carro do jornal quebrou numa dessas cidades que nunca ouvira falar antes até passar por ela. Pior, até passar algumas horas nela.
Aconteceu já faz muito tempo, ainda trabalhava no primeiro jornal de meu currículo de jornalista e voltava de Jacobina com motorista e fotógrafo, o famoso Raimundo, o Mala, quando o velho 93 simplesmente resolveu quebrar num lugar perfeito para Judas bater as botas: Capim Grosso.
Imagine uma cidade tipo cenário de novela. É ela própria. Pracinha, prefeitura, delegacia, igreja. Algo que me lembrava Sucupira, Asa Branca, Resplendor ou qualquer outro desses lugarejos fictícios mas que retratam a realidade. Capim Grosso era assim na época. Imagine eu e o Raimundo rodando pelas ruas sem ter o que fazer. Em menos de uma hora conhecemos tudo o que havia para conhecer e o motorista ainda na oficina tentando reparar o defeito do carro.
Hoje, refeita da aventura digo com conhecimento de causa: o povo do interior só não morre de tédio porque tem bom humor e consegue ser simpático com todo mundo, especialmente com seus visitantes pois fui muito bem tratada. Isso fui. Mas cá pra nós, não se tem nada para fazer em cidadezinhas baianas perdidas em entroncamentos de estradas. Por isso que eu resolvi puxar papo com os moradores da cidade, pessoas hospitaleiras, simpáticas, conversadeiras, e nessas e outras, fomos parar numa loja de travesseiros, onde duas meninas não tiravam os olhos do fotógrafo que se sentia um verdadeiro Deus de Ébano cheio de ibope.
As meninas começaram a nos bombardear com perguntas sobre Salvador, onde ela nunca estiveram antes, sobre barzinhos, coisa e tal, eu contra-ataquei: o que tem para fazer aqui? Nada. Cinema não existe. Jogar sinuca no bar era proibido peara mulheres. Conversar na pracinha, espiar os carros que atravessam a cidade indo para outros lugares. “Não sentem falta de praia?”. Elas responderam que não. “Lá embaixo tem um rio. Quando o calor aperta a moçada vai toda pra lá”. Achei simplesmente impossível viver num lugar sem shopping center, sem discoteca, sem uma livraria ou loja de disco mais transadinha.
Não é o fim do mundo, elas me garantiram.  E acho que era verdade, via duas meninas sem neurose de cidade grande, que moram em casas com quintal enorme e algumas árvores frutíferas, e todas duas muito tranqüilas. Sem se importar em se sacolejar três horas numa estrada esburacada para chegar a Feira de Santana, a ‘metrópole” mais perto de lá.
Na falta de modernidades, elas sonham o ano inteiro com o São João em Mairi, uma cidade próxima, onde a festa é uma gloria. E a vista para o mar? As meninas me olharam com ar blasé e contam vantagens: ‘grandes coisas, moramos com vista para o sertão”. Perguntei ainda sobre barulho, pivete, ladrão, ela disseram que não tinha nada disso, e comecei a falar sobre os rapazes da cidade, mas o 93 ficou pronto e eu finalmente deixei a cidade. Bastante entediada, claro, pois nem havia onde tomar um picolé, mas com uma bela aula de que se pode ser feliz com menos do que a gente acha que precisa.

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